Tenho uma vontade danada de por a mão no peito quando eu canto o hino
nacional. Não ponho. Fico constrangida. Nosso material cívico foi um
tanto manchado pelo ufanismo do governo militar, e demonstrações de amor
à pátria usando o hino e a bandeira ainda têm certo peso para mim. Sou
legítima filha do golpe.
Nasci em 1964 e, apesar da letra difícil, aprendi nosso hino inteirinho e
em detalhes. Na minha escola, ele era cantado todos os dias. O castigo
que minha professora dava para a bagunça da turma era o pedido de cópias
da letra em folhas pautadas de papel almaço. Quem errasse uma vírgula
tinha de refazer.
Foi por conta disso que Tia Eda e minha mãe, também professora, tiveram
longa querela, me fazendo carregar livros pra cá e pra lá, a respeito da
existência ou não de crase no "as margens plácidas". Negativo. As
margens do Ipiranga saíram de sua placidez e ouviram mesmo o brado
retumbante.
Mas, apesar dos militares e do trauma causado pelas centenas de cópias
da Tia Eda, eu sempre adorei cantar o hino. Hino une. É a canção que
todo mundo sabe, é quase uma reza. Eu me arrepio quando tenho a
oportunidade de cantá-lo em coro. Se sua poesia não fosse tão truncada e
pudéssemos todos entender que nossa vida tem mais amores nesta mãe
gentil que é o Brasil, seria ainda mais emocionante.
Por falar em amor, recentemente eu descobri de onde vem o nosso "ordem e
progresso", que eu sempre associara ao meu vizinho que saía fardado
todas as manhãs, mas que nada tem a ver com os militares.
Para quem não sabe, as palavras de nossa bandeira vêm da frase
positivista do filósofo francês Augusto Comte [1798-1857]: "O amor por
princípio e a ordem por base; o progresso por fim". Simplesmente tiraram
o amor. Apenas o amor!
A frase original faz total sentido pra mim. Você ama uma coisa, se
organiza e ela progride. Mas acharam que o amor não fazia falta. Ou que
já estava implícito. Vai ver foi até por falta de espaço.
Fico imaginando a reunião dos barbudos: "Não cabe tudo, vamos tirar a
'ordem'". "Não, sem ordem não se chega a lugar algum." "'Progresso' não
dá pra tirar, é mau agouro..." "Tira o 'amor'. Amor todo mundo tem."
Amor todo mundo tem?? Era apenas uma palavra, mas, mesmo que não se
importassem em garantir o amor, não custava nada deixá-lo na bandeira
para, no mínimo, nos ajudar a lembrar que ela é o tal do lábaro
estrelado, o símbolo de amor eterno que o Brasil ostenta.
Por: Denise Fraga
In: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/denisefraga/1232738-amor-ordem-e-progresso.shtml
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