Combinei
com a Mari Della Barba de escrevermos posts “casados”, cada uma
contando da própria experiência, ela
falando sobre criar filhos com a ajuda da família
e
eu, ao contrário, sem auxílio algum. Fui escrever a primeira linha
e quase chorei. Estou tão exausta que a falta de retaguarda está
pesando uma tonelada sobre meus ombros. Senti pena de mim mesma e
quase me peguei no colo para me autoconsolar.
Então
resolvi que, para não cair no risco deste texto virar um muro das
lamentações, vou mudar um pouco o enfoque. E voltar no tempo, numa
reflexão sobre como nós, mulheres, dissolvemos sem querer a rede de
apoio feminina que sempre tivemos para criarmos nossos filhos e nos
isolamos catastroficamente. O que nos levou a este isolamento? Quando
foi que nos perdemos de nós mesmas? E umas das outras? Ainda dá
tempo de resgatar o costume de nos apoiarmos mutuamente?
Desde
que o mundo é mundo vivemos em tribos. Fomos civilizando, mas em
geral a formação dos clãs permaneceu igual: formada por laços
familiares. O que quer dizer que mães, avós, tias, primas,
sobrinhas, unidas pelo sangue e muitas vezes morando na mesma casa ou
região, teciam juntas seus destinos. Quando nascia uma criança era
uma festa, um acontecimento celebrado com dança e riso, mais um
fruto que vingava na árvore genealógica daquela família. A mãe
era cortejada e cercada de mimos e cumprimentos. O último pensamento
que passava pela sua cabeça era “Meu Deus, e agora, como vou criar
esse bebê sozinha?”. Ela nunca estava sozinha.
Hoje
encontramos a vizinha no elevador e sequer sabemos seu nome. Em busca
de melhores oportunidades, mudamos de bairro, de cidade, de país.
Encontramos os parentes só pelo Skype, isso quando temos tempo para
falar com eles nas nossas rotinas corridas. Mães moram longe das
filhas, irmãs não convivem mais, primas só no Natal e olhe lá.
Avós modernosas querem resgatar a juventude e curtir, viajar,
malhar, voltar a estudar, criar netos nem pensar. Não há mais
oferta de suporte, nossos umbigos são o centro do mundo e nosso
mundo está sem cordões umbilicais. Maternidade se tornou
halterofilismo.
Sim,
conquistamos o mercado de trabalho. Agora temos pró-labore,
independência, autonomia. Foi-se a época dos papéis
pré-determinados, da mulher bibelô, sem “valor”, incapaz de
votar, de opinar, de decidir, de se autogerenciar, de ir e vir. Da
dona de casa que não “trabalhava”. Dizimamos esse passado
inglório e na explosão nuclear arrasamos junto o lado bom: o
exercício da convivência. Quando foi a última vez que você reuniu
amigas para um descompromisso regado a gargalhadas?
A
união com outras mulheres era a nossa força, conhecimentos
milenares e ancestrais eram passados de geração para geração.
Exatamente o que descartamos. Evoluímos tanto que, de seres
gregários, passamos a ermitãs urbanas. Nossa essência feminina da
troca de experiências, do conversar para organizar ideias e
sentimentos, de acalentarmo-nos minguou. O conhecimento oral
tornou-se digital. Teclamos, postamos, estamos cercadas de ausências
físicas. Cada vez mais conectadas e sentindo falta de conexão. De
toque, olho no olho, sorriso sem Photoshop. Onde habita a nossa
força? O que fizemos do nosso poder?
Mulher
se alimenta na alma. Precisamos de arte e artesanato, de
literatura, música, bordar, pintar. Espaço para nos expressarmos.
Dançar. Necessitamos do aroma das especiarias, do fascínio dos
chás, da combinação de temperos, de elogios. Flores. A natureza e
seus elementos foram rechaçados de nossos ciclos: fugimos da chuva,
evitamos o pé na grama, temos nojo de terra molhada, nos protegemos
do sol. Até o ar, tão nosso amigo para inspirar, sufocamos.
Corremos pra lá e pra cá, mal respiramos. Precisamos nos resgatar.
Então
viramos mães e deixamos nosso mundo interior ainda mais faminto.
Como num turno de fábrica, nos revezamos para cuidar dos filhos. Sai
marido, entra babá, sai babá, entra sogra, sai sogra, entramos nós.
Ou, como no meu caso, atuo 24h. E assim seguimos. Só falta instalar
um cartão-ponto na soleira da porta. Onde havia seres humanos agora
há eletrodomésticos. Preparamos comidas em um minuto depois de
jogar todos os ingredientes no liquidificador. Nosso melhor amigo é
o micro-ondas, nossa melhor amiga é a internet. Até quando? Essa é
a vida que queremos deixar de herança para os nossos pequenos?
Há
anos atrás havia um grupo de amigas que se reunia quinzenalmente na
minha casa, no Rio, em encontros batizados “Saraus”. Partíamos
do princípio que cada uma de nós tinha um talento especial que
poderia ser repassado às demais, uma cozinhava bem, a outra era
escritora, fazíamos degustação de vinhos, massas caseiras de
pizza, montávamos painéis de fotografias, nos escutávamos. Éramos
dez e nossos saraus entraram para a história. Até hoje comentamos o
quão revigoradas nos sentíamos.
Meu
lado mãe está desamparado talvez porque eu esteja investindo pouco
em mim mesma. Uso a desculpa de que não tenho ajuda para não me
ajudar. E se eu simplesmente me priorizar? É hora de pensar com
seriedade no assunto. Deixar esta que me tornei virar cinzas. E,
feito Fênix, renascer.
Por Ana Kessler, in: http://estilo.br.msn.com/demaepramae/blog/ana-kessler/post.aspx?post=f844df19-b8f9-420b-8ee0-2a136aa93544+
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