Aos 25 anos a Constituição Cidadã ainda é descumprida
A Constituição brasileira, que completa seu jubileu de
prata, é marco da redemocratização brasileira. Contudo, não vigora em sua
plenitude, pois há equívocos na execução de suas normas e princípios, tanto nos
serviços do Estado como saúde, educação, segurança e outras prioridades, quanto
na gestão dos recursos públicos, contaminado pelo clientelismo, corrupção e
ineficiência.
A precariedade no atendimento a essas condições essenciais
de cidadania deflagrou manifestações populares em todo o país. Porém, a Carta
Magna apresenta conteúdo normativo e principiológico, que obriga condutas dos
operadores do Estado em prol da sociedade. O fortalecimento do Ministério
Público, atribuindo-lhe funções relevantes no controle da probidade
administrativa, além da tradicional persecução criminal e de defesa de
interesses difusos e/ou coletivos, constitui exemplo que não admite retrocesso.
Imagem: Acervo do Estadão
Também
é positiva a definição de vários direitos subjetivos que autorizam o Judiciário
a decidir sobre políticas públicas, elevando-o efetivamente ao patamar de poder
de Estado, autêntica instituição do povo. O texto constitucional outorgou
direitos que podem ser diretamente cobrados mediante ações judiciais em que
figuram no polo passivo os órgãos ou agentes públicos deles encarregados. O
cidadão pode pleitear a imediata satisfação daquilo que se extrai do texto
constitucional. Incumbe aos governantes aparelhar as estruturas pblicas para
cumprir os comandos constitucionais.
Não se trata de judicialização da política, politização do
Judiciário ou ativismo judiciário, como se costuma dizer. Os juízes podem e
devem cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis, como
reiteradamente prometem. Em caso de conflito entre a lei e a
Constituição, incumbirá ao magistrado decidir pelo cumprimento da Carta Magna,
observando sempre os objetivos fundamentais da Repblica, elencados no seu artigo
terceiro.
Uma
das questões cruciais é de natureza orçamentária. Os recursos públicos devem
ser investidos de acordo com as leis orçamentárias. Incumbe ao Poder
Legislativo, ao votar a lei orçamentária anual, respeitar as prioridades
definidas pela Assembleia Nacional Constituinte. O orçamento que não fizer a
destinação orçamentária de acordo com as determinações constitucionais pode e
deve ser reordenado pelo Poder Judiciário. Objeta-se que não existe na
Constituição definição exaustiva de prioridades ou que ela seria genérica ou
meramente indicativa, sem qualquer valor cogente.
Entretanto,
logo no seu artigo 3º, a Constituição determina que a República pugnará pela
garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e da marginalidade
e redução das desigualdades sociais e regionais. No artigo 5º, XXIII, define-se
a função social da propriedade e, no inciso XXVI, a necessidade de
financiamento para o desenvolvimento da pequena propriedade rural. O capítulo
dos direitos sociais (artigos. 6º a 11) estrutura comandos normativos
inquestionáveis e que integram o arcabouço de conquistas trabalhistas do povo
brasileiro. O artigo 170 elenca objetivos sociais da atividade econômica,
deixando evidente a preocupação da República brasileira com a dignidade humana.
A mesma preocupação está explícita no texto do artigo 193: “A ordem social
tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça
sociais”.
Também
é evidente que no artigo 196, ao definir a sade como direito de todos e garantir
o acesso universal e igualitário ao atendimento médico-hospitalar, o
constituinte não condicionou tais garantias a qualquer outra norma. Incumbe aos
governos incluir nos seus orçamentos as verbas para que esse mandamento
constitucional seja cumprido. Se não for feito, o cidadão não atendido poderá
propor ações para garantia do seu direito subjetivo. A mesma interpretação deve
alcançar, dentre outros, direitos como assistência social, educação pública,
desportos, ciência e tecnologia e meio ambiente ecologicamente equilibrado,
previstos, respectivamente, nos artigos 203, 205, 213, 217, 218 e 225 da
Constituição.
Não se pode esquecer que a conjugação dos artigos 6º e 7º,
IV, garante a todos os brasileiros o atendimento das principais reivindicações
ouvidas no brado doGigante despertado, no recente levante popular . O que se
aguarda é que a representação popular, através dos seus três poderes, encontre
caminhos para atender às prioridades definidas há um quarto de século, em 5 de
outubro de 1988, quando o doutor Ulysses Guimarães, então presidente da
Câmara dos Deputados e da Assembleia Constituinte, promulgou a Constituição
Cidadã.
Cláudio dellOrto*
In: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2013/10/05/aos-25-anos-a-constituicao-cidada-ainda-e-descumprida/
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