segunda-feira, 7 de abril de 2014

Bandeira, Minha adolescência


A história de minha adolescência é a história de minha doença. Adoeci aos dezoito anos quando estava fazendo o curso de engenheiro – arquiteto da Escola Politécnica de São Paulo. A moléstia não me chegou sorrateiramente, como costuma fazer, com emagrecimento, febrinha, um pouco de tosse, não: caiu sobre mim de supetão e com toda a violência, como uma machadada de Brucutu. Durante meses, fiquei entre a vida e a morte. Tive de abandonar para sempre os estudos. Como consegui com os anos levantar-me desse abismo de padecimentos e tristezas é coisa que me parece a mim e aos que me conheceram então um verdadeiro milagre. Aos trinta anos, ao editar o meu primeiro livro de versos, A cinza das horas, era praticamente um inválido. Publicando-o, não tinha de todo a intenção de iniciar uma carreira literária. Aquilo era antes o meu testamento – o testamento da minha adolescência. Mas os estímulos que recebi fizeram-me persistir nessa atividade poética, que eu exercia mais como um simples desabafo dos meus desgostos íntimos, da minha forçada ociosidade. Hoje vivo admirado de ver que essa minha obra de poeta menor – de poeta rigorosamente menor – tenha podido suscitar tantas simpatias.
Conto estas coisas porque a minha dura experiência implica uma lição de otimismo e confiança. Ninguém desanime por grande que seja a pedra no caminho. A do meu parecia intransponível. No entanto saltei-a. Milagre? Pois então isso prova que ainda há milagres.

Em Manuel Bandeira, São Paulo: Abril Educação, 1981

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