segunda-feira, 23 de junho de 2014

Diante da partida...

Semana passada nossa tia foi chamada para habitar a morada junto do Pai, destino de todos nós.

Depois de anos de sofrimento físico (este o visível, porque o espiritual, só ela o sabe), intensificado nas últimas semanas, quase um mês, ela se foi.   Num dia de jogo da seleção brasileira que, como bem lembrou meu filho, ela mal entendia regras, jogadas, mas se juntava à torcida, menos pelo Brasil do que por seus filhos e netos, torcedores convictos e apaixonados.   Comum, nesses momentos, frases do tipo: “Descansou”; “Cumpriu sua jornada”; “Tadinha, também estava sofrendo tanto...” e outras mais.  Nenhuma delas, sabemos bem, diminui a dor da perda, evita que a saudade se instale, mas ficamos todos tão frágeis, tão humanamente impotentes nessas horas, que não nos ocorre nada diferente disso para dizer.  Se é que há!  Afinal, uma das frases feitas que bem conhecemos é: a única certeza que temos nessa vida é que um dia a morte (a partida) virá para todos.

Outra coisa comum nessas horas é começarmos a elencar as inúmeras qualidades daquele (a) que se vai.  Num ato de reverência à sua memória, fazemos como que um pacto silencioso e todos apagam os deslizes e faltas cometidas (porque é certo que todos cometemos, mesmo as almas mais justas e generosas).  Quero, aqui, fazer diferente disso.  Perdoe, tia, mas quero falar aqui, não de uma de suas tantas qualidades, mas de um "defeito" seu, grande demais para ser apagado ou silenciado.  Titia era exageradamente mãe!!!!  Quer defeito maior que esse? Porque mãe já é um ser exagerado.  Uma hipérbole!  Que dizer, então, de alguém que é EXAGERADAMENTE MÃE?  E titia era.  Tão mãe que passou a sua existência, excluindo, talvez o período da infância (se bem que é bem provável que brincasse mesmo de boneca, quando criança...), se ocupando, preocupando, cuidando etc de ser mãe.  Mãe dos irmãos, dos cunhados, dos filhos (óbvio), dos sobrinhos, dos filhos e sobrinhos de outros.  Mas sempre mãe.  Daquele tipo que, se você chegasse à casa dela, a qualquer tempo, lá vinha ela com cuidados maternos, como: “tem um café aí, toma”; “já comeu, come lá”;  “fica aí, tem espaço de sobra” (sempre tinha, por mais que a casa estivesse cheia, tanto para qualquer um de nós quanto para quem estivesse nos acompanhando, fosse lá quem fosse). 

Tudo nela se resumia nisso: ser mãe.  Foi mãe inclusive do marido, dos pais dele, de quem ajudou a cuidar... Nunca se ouviu dizer, por exemplo, que Dª Alcidênia tivesse feito uma viagem de turismo, por exemplo.  Quando viajava, era para ir ao encontro.  De alguém, de um evento, como casamento, aniversário, batizado, morte, nascimento, formatura.  Jamais por puro lazer.  Enfim, titia veio a esse mundo e nele viveu pratica e exclusivamente para ser mãe.  E foi.  Até o último instante. 


Sua morte nos deixa a todos órfãos, portanto.  Incluindo aí minha própria mãe, sua irmã.  E nos faz constatar o quanto de nós vai se recortando e partindo, junto com cada pessoa, querida nossa, que se vai.  É certo que chamamos de morte ao instante derradeiro da partida, mas é igualmente certo que vamos morrendo, aos poucos, ao nos desintegrar para seguir, em pedaços, com esses que nos antecedem na partida.  São muitos os momentos vividos, muito de nossa história, de nossa essência, do que fomos e do que somos.  Como são muitas as lembranças: das moedas que ganhava, quando criança, pra pentear seus cabelos até que cochilasse; das enormes panelas com aquele feijão cheiroso e saboroso que nunca faltava em seu fogão; das pilhas de roupas carinhosa e caprichosamente passadas; do olhar maternal com que nos recebia, infalivelmente, a cada encontro; do seu ar sereno; e de tantas outras, todas caríssimas! Creio que, um dia, todos os pedaços se juntarão, em outra morada, preparada por aqueles que chegaram antes... Até que esse dia chegue, que façamos o melhor que pudermos, pois, além da certeza da morte, a segunda grande certeza que temos nessa vida é: estamos aqui para aprender, crescer, evoluir, sempre e inexoravelmente.  

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