Semana passada nossa tia foi
chamada para habitar a morada junto do Pai, destino de todos nós.
Depois de anos de sofrimento
físico (este o visível, porque o espiritual, só ela o sabe), intensificado nas
últimas semanas, quase um mês, ela se foi.
Num dia de jogo da seleção brasileira que, como bem lembrou meu filho,
ela mal entendia regras, jogadas, mas se juntava à torcida, menos pelo Brasil
do que por seus filhos e netos, torcedores convictos e apaixonados. Comum, nesses momentos, frases do tipo: “Descansou”;
“Cumpriu sua jornada”; “Tadinha, também estava sofrendo tanto...” e outras
mais. Nenhuma delas, sabemos bem,
diminui a dor da perda, evita que a saudade se instale, mas ficamos todos tão
frágeis, tão humanamente impotentes nessas horas, que não nos ocorre nada
diferente disso para dizer. Se é que há! Afinal, uma das frases feitas que bem
conhecemos é: a única certeza que temos nessa vida é que um dia a morte (a
partida) virá para todos.
Outra coisa
comum nessas horas é começarmos a elencar as inúmeras qualidades daquele (a)
que se vai. Num ato de reverência à sua
memória, fazemos como que um pacto silencioso e todos apagam os deslizes e
faltas cometidas (porque é certo que todos cometemos, mesmo as almas mais
justas e generosas). Quero, aqui, fazer
diferente disso. Perdoe, tia, mas quero
falar aqui, não de uma de suas tantas qualidades, mas de um "defeito" seu, grande
demais para ser apagado ou silenciado. Titia
era exageradamente mãe!!!! Quer defeito
maior que esse? Porque mãe já é um ser exagerado. Uma hipérbole! Que dizer, então, de alguém que é
EXAGERADAMENTE MÃE? E titia era. Tão mãe que passou a sua existência,
excluindo, talvez o período da infância (se bem que é bem provável que
brincasse mesmo de boneca, quando criança...), se ocupando, preocupando,
cuidando etc de ser mãe. Mãe dos irmãos,
dos cunhados, dos filhos (óbvio), dos sobrinhos, dos filhos e sobrinhos de
outros. Mas sempre mãe. Daquele tipo que, se você chegasse à casa
dela, a qualquer tempo, lá vinha ela com cuidados maternos, como: “tem um café
aí, toma”; “já comeu, come lá”; “fica
aí, tem espaço de sobra” (sempre tinha, por mais que a casa estivesse cheia,
tanto para qualquer um de nós quanto para quem estivesse nos acompanhando,
fosse lá quem fosse).
Tudo nela se
resumia nisso: ser mãe. Foi mãe
inclusive do marido, dos pais dele, de quem ajudou a cuidar... Nunca se ouviu
dizer, por exemplo, que Dª Alcidênia tivesse feito uma viagem de turismo, por
exemplo. Quando viajava, era para ir ao
encontro. De alguém, de um evento, como
casamento, aniversário, batizado, morte, nascimento, formatura. Jamais por puro lazer. Enfim, titia veio a esse mundo e nele viveu
pratica e exclusivamente para ser mãe. E
foi. Até o último instante.
Sua morte nos
deixa a todos órfãos, portanto.
Incluindo aí minha própria mãe, sua irmã. E nos faz constatar o quanto de nós vai
se recortando e partindo, junto com cada pessoa, querida nossa, que se
vai. É certo que chamamos de morte ao
instante derradeiro da partida, mas é igualmente certo que vamos morrendo, aos
poucos, ao nos desintegrar para seguir, em pedaços, com esses que nos antecedem
na partida. São muitos os momentos vividos, muito de nossa história, de nossa essência, do que fomos e do que somos. Como são muitas as lembranças: das moedas que ganhava, quando criança, pra pentear seus cabelos até que cochilasse; das enormes panelas com aquele feijão cheiroso e saboroso que nunca faltava em seu fogão; das pilhas de roupas carinhosa e caprichosamente passadas; do olhar maternal com que nos recebia, infalivelmente, a cada encontro; do seu ar sereno; e de tantas outras, todas caríssimas! Creio que, um dia, todos os
pedaços se juntarão, em outra morada, preparada por aqueles que chegaram
antes... Até que esse dia chegue, que façamos o melhor que pudermos, pois, além
da certeza da morte, a segunda grande certeza que temos nessa vida é: estamos
aqui para aprender, crescer, evoluir, sempre e inexoravelmente.
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