Reproduzo aqui no Blog o artigo de Alamiro Velludo Salvador Netto, professor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, publicado in: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/10/8/a-opiniao-publica-e-o-principio-do-in-dubio-pro-reo.
Nesse momento em que tanto se publica - e se fala - sobre o julgamento do mensalão, creio ser uma reflexão necessária. Aliás, como toda reflexão (necessária, sempre, pois o oposto disso é aceitar passivamente o que vemos/lemos/ouvimos). Estamos sendo bombardeados com notícias, informações e pontos de vista variados. É tempo de pararmos e refletirmos um pouco.
O julgamento da Ação Penal nº 470 inegavelmente colocou o Supremo
Tribunal Federal (STF) no foco de atenção da opinião pública. A grande
repercussão esporádica de procedimentos criminais não é, tanto no
Brasil quanto no estrangeiro, propriamente uma novidade. De tempos em
tempos, é possível perceber casos que chamaram a atenção dos veículos
de comunicação e, em consequência, de toda a população. Homicídios
passionais, parricídios, extorsões mediante sequestro sempre compuseram,
enfim, o cenário delitivo mais propício ao despertar das atenções para
o ambiente, no mais das vezes, hermético dos julgamentos.
No caso atual, entretanto, existe uma novidade. Talvez jamais os
casos anteriores tenham reunido tantos acusados e de tamanha
importância política e social. Não se está mais diante dos delitos de
sempre. Tampouco os atuais protagonistas são os acusados de sempre.
Nesse sentido, todos estão diante de um julgamento histórico mais por
essa singularidade do que pelo seu futuro resultado específico,
conforme pode querer parecer a alguns. Seja como for, esse olhar das
pessoas externas ao direito sobre o julgamento permite algumas
anotações, reflexões. É interessante ouvir comentários, ler publicações
em redes sociais, perceber os anseios que o cidadão projeta sobre sua
Corte Constitucional. Tais manifestações, a propósito, são
absolutamente válidas e legítimas, eis que nada mais razoável que todo
cidadão possa aplaudir, criticar ou simplesmente questionar as decisões
tomadas pelos órgãos de poder brasileiros.
De muitos, um detalhe aqui chama mais a atenção. As pessoas, em
geral, identificam-se muito mais com aqueles que preconizam as teses
condenatórias do que com aqueles outros que sustentam, de algum modo,
um viés de absolvição. Bem verdade que tal constatação pode ser
vislumbrada em muitos outros julgamentos, porém no caso do mencionado
mensalão ganha um contorno mais profundo. Em suma, a condenação do
acusado, seja por qual delito for, é repercutida como sinônimo da
justiça, na mais perfeita acepção polissêmica que tal vocábulo pode
assumir. Ao contrário, a absolvição, ou mesmo a mera dúvida posta a
infirmar um juízo de culpa, é vista como lenidade, brandura ou, até
mesmo, impunidade.
Tal postura, ainda que deva ser respeitada e sempre garantida a todo
cidadão, é política e juridicamente complicada, para dizer o mínimo.
Para além da inexistência de maniqueísmos, existentes apenas em
histórias de super-heróis, o posicionamento que identifica a justiça
com a condenação advém, principalmente, de muitas opiniões propagadas
sem o mínimo comprometimento com a leitura dos autos. É de se acreditar
que, à exceção dos ministros do STF, das partes envolvidas no processo
e de alguns poucos jornalistas pacientes e de invejável vocação,
contam-se nos dedos aqueles que realmente se debruçaram integralmente
sobre o volumoso processo, suas centenas de volumes e apensos.
Não se está aqui a dizer, em relação a cada um dos acusados
concretos, quem deve ser absolvido ou condenado. Aliás, já se afirmou
nessa mesma coluna que tal decisão compete exclusivamente aos
magistrados. O que causa um pouco de perplexidade é a tendência
condenatória da opinião pública, a qual parece definitivamente refutar
princípio tão caro aos juristas como o "in dubio pro reo" (na dúvida,
decide-se a favor do réu).
A ressalva posta aqui decorre, inclusive, do início do julgamento do
núcleo político que congrega os maiores expoentes do governo de então.
Desde o início são esses os personagens mais destacados pela mídia e
pelas opiniões em geral. A se manter essa sanha condenatória,
correr-se-á o risco de se julgar a decisão do tribunal apenas à luz da
condenação ou absolvição dessas pessoas. Após várias condenações, muito
superiores ao número de absolvições, parece haver uma tendência de que
será o veredicto sobre os acusados do núcleo do governo o responsável
pelo "sucesso" ou "insucesso" do trabalho dos julgadores. Isto é, se
condenados, a justiça será feita. Se absolvidos, a impunidade, em que
pese todos os já sentenciados, prevalecerá.
Mais republicano seria se eventual absolvição fosse vista não como
impunidade, mas como insuficiência da acusação ou efetiva demonstração
da falta de participação do acusado. Afinal, pobre é a sociedade que
sempre desconfia daquele que absolve. Mais pobre ainda aquela que
incondicionalmente aplaude a condenação.
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