quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A opinião pública e o princípio do "in dubio pro reo"

      Reproduzo aqui no Blog o artigo de  Alamiro Velludo Salvador Netto, professor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, publicado in: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/10/8/a-opiniao-publica-e-o-principio-do-in-dubio-pro-reo.

     Nesse  momento em que tanto se publica - e se fala - sobre o julgamento do mensalão, creio ser uma reflexão necessária.  Aliás, como toda reflexão (necessária, sempre, pois o oposto disso é aceitar passivamente o que vemos/lemos/ouvimos).  Estamos sendo bombardeados com notícias, informações e pontos de vista variados.  É tempo de pararmos e refletirmos um pouco. 

     O julgamento da Ação Penal nº 470 inegavelmente colocou o Supremo Tribunal Federal (STF) no foco de atenção da opinião pública. A grande repercussão esporádica de procedimentos criminais não é, tanto no Brasil quanto no estrangeiro, propriamente uma novidade. De tempos em tempos, é possível perceber casos que chamaram a atenção dos veículos de comunicação e, em consequência, de toda a população. Homicídios passionais, parricídios, extorsões mediante sequestro sempre compuseram, enfim, o cenário delitivo mais propício ao despertar das atenções para o ambiente, no mais das vezes, hermético dos julgamentos.
     No caso atual, entretanto, existe uma novidade. Talvez jamais os casos anteriores tenham reunido tantos acusados e de tamanha importância política e social. Não se está mais diante dos delitos de sempre. Tampouco os atuais protagonistas são os acusados de sempre. Nesse sentido, todos estão diante de um julgamento histórico mais por essa singularidade do que pelo seu futuro resultado específico, conforme pode querer parecer a alguns. Seja como for, esse olhar das pessoas externas ao direito sobre o julgamento permite algumas anotações, reflexões. É interessante ouvir comentários, ler publicações em redes sociais, perceber os anseios que o cidadão projeta sobre sua Corte Constitucional. Tais manifestações, a propósito, são absolutamente válidas e legítimas, eis que nada mais razoável que todo cidadão possa aplaudir, criticar ou simplesmente questionar as decisões tomadas pelos órgãos de poder brasileiros.
     De muitos, um detalhe aqui chama mais a atenção. As pessoas, em geral, identificam-se muito mais com aqueles que preconizam as teses condenatórias do que com aqueles outros que sustentam, de algum modo, um viés de absolvição. Bem verdade que tal constatação pode ser vislumbrada em muitos outros julgamentos, porém no caso do mencionado mensalão ganha um contorno mais profundo. Em suma, a condenação do acusado, seja por qual delito for, é repercutida como sinônimo da justiça, na mais perfeita acepção polissêmica que tal vocábulo pode assumir. Ao contrário, a absolvição, ou mesmo a mera dúvida posta a infirmar um juízo de culpa, é vista como lenidade, brandura ou, até mesmo, impunidade.
     Tal postura, ainda que deva ser respeitada e sempre garantida a todo cidadão, é política e juridicamente complicada, para dizer o mínimo. Para além da inexistência de maniqueísmos, existentes apenas em histórias de super-heróis, o posicionamento que identifica a justiça com a condenação advém, principalmente, de muitas opiniões propagadas sem o mínimo comprometimento com a leitura dos autos. É de se acreditar que, à exceção dos ministros do STF, das partes envolvidas no processo e de alguns poucos jornalistas pacientes e de invejável vocação, contam-se nos dedos aqueles que realmente se debruçaram integralmente sobre o volumoso processo, suas centenas de volumes e apensos.
     Não se está aqui a dizer, em relação a cada um dos acusados concretos, quem deve ser absolvido ou condenado. Aliás, já se afirmou nessa mesma coluna que tal decisão compete exclusivamente aos magistrados. O que causa um pouco de perplexidade é a tendência condenatória da opinião pública, a qual parece definitivamente refutar princípio tão caro aos juristas como o "in dubio pro reo" (na dúvida, decide-se a favor do réu).
     A ressalva posta aqui decorre, inclusive, do início do julgamento do núcleo político que congrega os maiores expoentes do governo de então. Desde o início são esses os personagens mais destacados pela mídia e pelas opiniões em geral. A se manter essa sanha condenatória, correr-se-á o risco de se julgar a decisão do tribunal apenas à luz da condenação ou absolvição dessas pessoas. Após várias condenações, muito superiores ao número de absolvições, parece haver uma tendência de que será o veredicto sobre os acusados do núcleo do governo o responsável pelo "sucesso" ou "insucesso" do trabalho dos julgadores. Isto é, se condenados, a justiça será feita. Se absolvidos, a impunidade, em que pese todos os já sentenciados, prevalecerá.
     Mais republicano seria se eventual absolvição fosse vista não como impunidade, mas como insuficiência da acusação ou efetiva demonstração da falta de participação do acusado. Afinal, pobre é a sociedade que sempre desconfia daquele que absolve. Mais pobre ainda aquela que incondicionalmente aplaude a condenação.

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